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< Geral ~ Mirandela, Arredores de Portugal |
Mira |
Colocada: Seg Jan 09, 2006 7:51 pm |
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Registo: 26 Jul 2005
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Vem a propósito este tópico do possível encerramento da maternidade de Mirandela. Não é um assunto que tenha alguma ligação com a computação gráfica, portanto se os administradores da Dimensao3 acharem por bem apagar o tópico, aceito com a maior das cordialidades. Não obstante, gostaria de pedir o favor para deixarem o tópico sobreviver durante pelo menos uma semana, de modo aos utilizadores deste fórum tomarem conhecimento de uma grande injustiça que está a ser feita a todo o Nordeste transmontano, e não só a Mirandela.
Grato pela atenção. |
_________________ "Tudo vale a pena quando a alma não é pequena." Fernado Pessoa |
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Mira |
Colocada: Seg Jan 09, 2006 7:53 pm |
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Novo membro
Registo: 26 Jul 2005
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20049, Mirandela, Arredores de Portugal
Alcino Oliveira, 23 anos, casado com Maria de Lurdes, iria ser pai num futuro breve, três meses faltavam para Maria dar à luz para ser mais preciso.
De malas aviadas, para abalarem rumo a Lisboa, faltava mesmo ajeitar a albarda do Jerico, burro do casal que os conduziria à maternidade de Lisboa.
Ir de burro para uma maternidade poderia parecer estranho, à 40 anos atrás, actualmente é o meio de transporte mais utilizado em Trás-os-Montes, e ainda bem pois assim evitou-se a extinção deste animal, o burro, teimoso mas muito amistoso e bastante útil nos dias de hoje.
O burro após a preservação da sua espécie ter sido ameaçada, haveria de ganhar um grande impulso, depois do governo decidir finalmente combater a desertificação de Trás-os-Montes. Medida pouco popular na altura, para combater a desertificação, foi o corte das estradas, mas isso acabou por não ter grande sucesso. Então os órgãos de decisão numa medida muito mais diplomática decidiram apenas não construir novas estradas, nem preservar as poucas existentes, que mais tarde se tornariam caminho de cabras, caminho de cabras é exagero o mais correcto é dizer caminho de burros.
Não venham aqui os radicais trasmontanos falar de discriminação, pois o dinheiro não chega para tudo, e se há aeroportos e TGV, muito se deve a um grande esforço financeiro do país. Além do mais os trasmontanos não se podem queixar, pois hoje 25 de Setembro de 2049, têm clínicas para a interrupção voluntária da gravidez, salas de chuto e ainda clínicas para o tratamento da toxicodependência através da metadona, completamente suportada pelo Ministério da Saúde, é claro que mais uma vez o dinheiro não chega para tudo, e portanto Mirandela e todo Trás-os-Montes não tem Maternidade.
Ora é justamente o facto, de não existir Maternidade nas proximidades que leva Alcino e Maria de Lurdes fazerem-se ao caminho rumo à capital, terra de oportunidades. Alcino leva na Algibeira uma côdea de pão, ao ombro uma bota de vinho, que com pão e vinho já se anda o caminho, e se o caminho é longo como é o caso então um alqueire de figos secos e um garrafão de aguardente lá há-de matar o bicho, e afastar a geada, até ao Marão. Para lá do Marão é ao fundo, a descer todos os santos ajudam, pelo sim pelo não o melhor é levar a Matilde, a cabra do casal, que dará leite à grávida, e algum sustento se o vinho acabar. E se isto tudo não chegar haverá mais dias do que chouriças, a que uma dúzia de alheiras deve fazer frente.
Não se pense que o burro é o único meio de transporte possível, para sair de Trás-os-Montes, existe também elevado número de helicópteros, que são usados para o transporte da metadona, mas Alcino era demasiado orgulhoso para pedir boleia à cruz vermelha, ou a algum helicoptéro do estado.
Quem não gostou deste orgulho foi Maria de Lurdes, quando começou a sentir o nevoeiro do Marão a entrar -lhe nos ossos. «Tinha feito um aborto, tinha médico de família pelo menos durante três meses, ou período pós-traumático, tínhamos um subsídio para o recomeço da vida e escusava de passar por isto. A mulher é que devia ter o direito de escolher, se quer ter um filho ou não».
São pensamentos que uma pessoa tem quando se junta a fome com a vontade de comer, nada que uma fogueira e uma alheirita não curem, se Alcino assim o pensou, melhor o fez. Maria de Lurdes, agora com o estômago composto, acarinhada pela fogueira colocava a mão na barriga, «como pude ser tão estúpida». Alcino é que sabia a mulher que tinha senão teria havido discussão na certa.
Passo a passo, Lisboa estava perto, o vinho acabara-se, alheiras nem vê-las, restava Matilde, magra da viagem, mas alguma coisa se havia de aproveitar. Alcino e Maria tinham uma devoção especial por Matilde, tinha sido uma prenda de casamento. «Gado que não dá criação não o quero na corte», repetia Alcino vezes sem conta para ganhar coragem de fazer o que tinha de ser feito, «tantas vezes coberta e nada». Pronto, agora é que já não havia nada a fazer.
Chegados à capital, instalaram-se num bairro de lata, «provisoriamente até arranjar emprego». Emprego é que não era fácil arranjar, «a um transmontano não há vaca que lhe arreganhe a beiça e cair só morto, mesmo quando o trasmontano cai, cai para a frente, até na desgraça avançamos», dizia Alcino de peito aberto a Maria de Lurdes.
O problema era as habilitações, mas «onde diabo iria arranjar um emprego sem habilitações, em Lisboa não há agricultura, ler mal sei, …». «Emprego só quero até o meu filho nascer, vá lá até ao primeiro mês, altura em que deverá aguentar a viagem, depois de estar lá em cima comida não lhe há-de faltar, que boas mãos para o trabalho tenho eu.»
Felizmente o esforço é proporcional ao sucesso, e Alcino lá conseguiu uma vaga através do centro de emprego como toxicodependente, tinha o equivalente a um ordenado mínimo, não era muito mas pelo menos era garantido, valeu a pena esperar pois além do emprego a Assistência Social acabou por lhe oferecer um apartamento, habitação social, por uma renda irrisória, «afinal o mundo não é tão mau como isso», mas o que mais agradava a Alcino era ter médico de família, coisa que nunca tinha tido, de facto Lisboa oferece outras condições. «Tinha tentado ser toxicodependente em Mirandela, várias vezes, desde que Maria de Lurdes apanhou uma pneumonia, com intuito de arranjar médico de família, mas nada, em menos de 15 dias tenho aqui tudo».
O que Alcino não pensou foi que em Lisboa a vida é mais cara, e o ordenado mínimo mal dava para o pão. Se bem que a toxicodependência não lhe ocupasse o tempo todo, conseguir outro emprego não se avizinhava fácil. Maria de Lurdes queria ajudar, « que gravidez não é doença», e no centro de emprego havia várias empregos que não exigiam habilitações específicas. As mulheres não se podiam queixar de falta de empregos, graças ao grande esforço de sucessivos governos no desenvolvimento de programas para a igualdade de oportunidades. Tinha vários empregos para prostituta, o que Maria estava longe de imaginar era que as empresas de lenocínio legalizado, discriminavam as grávidas, argumentando que não tinham mercado, o caso ainda foi ao Tribunal de Trabalho mas tudo ficou em águas de bacalhau.
Mais uma vez a sorte sorriu a Alcino, que como toxicodependente conhecia muita gente, de todos os gostos e feitios, foi assim que travou conhecimentos com Albertino da Silva, toxicodependente mas também deputado nas horas livres. Albertino da Silva era filho de transmontanos, embora Albertino nunca tivesse pisado terras para lá do Marão, tinha um carinho especial por aquelas gentes, e tratou de arranjar um bom emprego a Alcino. Arrumador de carros, emprego muito apetecido, dos mais bem pagos de Portugal, em troca, visto que ninguém dá nada a ninguém, Albertino pediu o Jerico, o burro de Alcino. O burro era um elemento de apoio muito útil para qualquer deputado, servia de transporte e evitava-se o dispêndio de dinheiro com arrumadores de carros. Isto porque não existia a profissão de arrumador de burros, e os arrumadores de carros não tinham formação específica para cuidar destes animais. Estes animais tinham mesmo lugar assegurado na Assembleia da República, (estilo estacionamento), mas isso é outra história…
A vida corria bem ao casal, o filho nasceu bem de saudinha, dois meses após o parto, Alcino e Maria decidiram regressar à terra. Foi uma decisão difícil, principalmente para Alcino, ganhava bem e tinha-se viciado completamente no trabalho, mas as saudades de Mirandela falaram mais alto.
Não tendo, burro resolveram apanhar o TGV até ao Porto e dali para cima algo se haveria de arranjar. E assim foi, do Porto a Amarante foram a pé, graças a Deus, que gente conhecida sempre se encontra e como todos somos filhos da terra a amizade está feita. Alcino pedia uma boleia na carroça do Senhor Justino, carroça essa puxada por dois machos, macho para quem não saiba é o animal cruzado do burro com o cavalo.
O Sr. Justino tinha ido ao Porto buscar uma criança, já filho adoptivo, que tinha mandado importar de Africa. A importação de crianças e posterior adopção, é um programa do governo, financeiramente assegurado pela Assistência Social, para tentar rejuvenescer a idosa população portuguesa.
O Sr. Justino era um homem alegre de piada fácil, depois de saber a história de Alcino e como tinha perdido o seu burro, mandou logo a sua piadita, «Burro que vai para o parlamento nunca mais de lá sai». |
_________________ "Tudo vale a pena quando a alma não é pequena." Fernado Pessoa |
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n3no |
Colocada: Ter Jan 10, 2006 2:29 pm |
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Novo membro
Registo: 23 Mai 2005
Mensagens: 34
Local/Origem: Oeiras
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Apesar de ter sido criado e sempre ter vivido em Lisboa, tenho raízes da zona centro-Pombal. Onde talvez por ser uma cidade da zona litoral, não acho que se notem assim sinais tão preocupantes como no nordeste ou zonas do alentejo.
Ouvi uma reportagem no noticiário outro dia que falava de uma acção que o distrito de Bragança está a promover pondo cartazes junto à entrada do distrito nas principais estradas com frases do género: "Aqui acaba Portugal", "Aqui acabam as opurtunidades". Fico muito triste que os governos sucessivos tendam sempre a centralizar as administrações e os investimentos.
Sou totalmente contra estes TGV's e aeroportos e até o fui dos estádios do Euro (podia- se ter feito o mesmo com menos estádios). Acho que há uma parte do país que está a ser esquecida, e tenha pena que assim seja, pois no acto de pagar impostos todos acabam por ser chamados.
Temo pelo futuro do nosso país, dos nossos velhos, dos nossos filhos, do que é nosso. Revolta-me as pessoas comerem esta merda toda e serem indiferentes a isso.
Gostava de poder contribuir para a mudança, mas não sei por onde esta passa, e não sei se estaria a lutar sozinho. |
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Mira |
Colocada: Ter Jan 10, 2006 4:05 pm |
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Novo membro
Registo: 26 Jul 2005
Mensagens: 39
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Boas a todos,
Obrigado n3no, por responderes.
Este não é um problema de transmontanos, é um problema de portugueses.
Trás-os-Montes não é parasita de Portugal.
Trás-os-Montes para além de ser um grande produtor da energia hidroeléctica de Portugal, só por si diria tudo.
Trás-os-Montes é o maior produtor nacional de castanha, azeite (azeitona), amêndoa e grande produtor de cereja, figo, ameixa e maçã, a maça de Carrazeda de Ansiães é mesmo a melhor do mundo tal como o azeite de Mirandela.
Todo o vinho do Douro é produzido em Trás-os-Montes.
A melhor carne de Portugal é produzida em Trás-os-Montes, devido às raças barrosã e Mirandesa ( Miranda do Douro e não Mirandelense (Mirandela))
Somos dos maiores produtores de mel, juntamente com a Beira Interior.
Somos juntamente com o Alentejo um dos grandes produtores de cortiça.
Exportamos mesmo granito para a Alemanha.
Temos o fumeiro mais variado do país, e somos também os maiores produtores a nível caseiro.
Por falar em fumeiro: "O fumo desde à séculos que é visto com0o sinónimo de humildade." As regiões que produzem fumeiro são: Trás-os-Montes, Minho( apenas Norte do Minho, Valença, Monção...), Beira, Alentejo. Será por isso (humildade) que estas regiões são desprezadas pelos sucessivos governos? |
_________________ "Tudo vale a pena quando a alma não é pequena." Fernado Pessoa |
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Mira |
Colocada: Ter Jan 10, 2006 4:25 pm |
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Novo membro
Registo: 26 Jul 2005
Mensagens: 39
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A saber:
Existem em Trás-os-Montes, 4 Maternidades, Bragança, Mirandela, Chaves e Vila Real.
As maternidades de Bragança, Chaves e Mirandela correm o risco de fecharem, sendo mais provável que feche a de Mirandela.
Mirandela tem uma posição central em Trás-os-Montes, a maternidade de Mirandela serve muitos concelhos de Trás-os-Montes e não só Mirandela, A saber: Vila Flor, Alfândega da Fé, Moncorvo, Carrazeda de Ansiães, Macedo de Cavaleiros, Freixo de Espada, e ainda parte dos concelhos de Mogadouro, Valpaços e Murça.
Mesmo assim ( sem a maternidade fechar), há mulheres que tem que percorrer perto de 90 Km para se dirigir à maternidade.
90 km pode parecer pouco para quem não conhece as estradas de Trás-os-Montes, mas posso dizer que é uma longa distância em termos de tempo.
A unica estrada com o mínimo de qualidade que temos é o IP4, a estrada da morte.
Se repararmos, no dinheiro que é enviado todos os anos para a Madeira e o que é enviado para Trás-os-Montes chegamos à conclusão que os insolares somos nós, não rodeados de mar mas de montes que tanto dão ao país e nada recebem em troca.
Abraços a todos, e desculpem a campanha, mas tem de ser |
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Bruno Patatas |
Colocada: Sáb Jan 14, 2006 11:01 pm |
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Registo: 14 Jan 2006
Mensagens: 23
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Como Mirandelense não posso deixar de me sentir enojado pela maneira como os sucessivos governos lidam com o Norte de Portugal.
Por isso é que não vale a pena viver em Portugal. Por mentalidades dessas. E ainda querem que as pessoas amem a Pátria. Se a Pátria não ama os seus filhos como poderá ela ser amada? |
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flash |
Colocada: Sáb Jan 14, 2006 11:35 pm |
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Site Admin
Registo: 28 Jan 2005
Mensagens: 1539
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Não é só o Norte... é toda a nação, principalmente os lugares que não sirvam para o turismo dos que "dirigem o país". Claro que é lisboa que mama com o dinheiro todo e o resto do país que se desenmerde ... era por lisboa como pais independente e velos afundarem-se nos problemas que criam para o resto do país |
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